Origem
Atualmente acredita-se que a dança foi à primeira forma artística de expressão e simbolização do ser humano, a principio ela possuía a finalidade de imitar os animais, a natureza e os elementos mágicos, ou seja, imitar tudo aquilo que rodeava nossos antepassados, foi ela a primeira maneira concreta de simbolizar com o corpo e também de um compreender e unificar-se ao sagrado, ao mundo e ao fluxo da vida. (SCÁRDUA, 2007.)
A dança assume um papel importantíssimo no desenvolvimento humano, serviu para tentar explicar a nossa própria existência, o fato de nossos antepassados dançarem contribuiu em nosso desenvolvimento biológico, corpóreo e psicológico, experimentando sensações, emoções e sentimentos que eram liberados por esse fazer artístico.
Por isso a dança é uma ferramenta que nos possibilita uma unificação ao sagrado, já que nas culturas pré-históricas tudo aquilo que nos cercava era tido como sagrado, pois a crença de sermos fruto do mesma mãe, do mesmo útero, era fortemente socializada, essa mãe é chamada de terra, Gaia, a deusa-mãe natureza.
A Dança do Ventre
A dança do ventre foi à primeira forma de expressão do feminino, ela surge em várias culturas, há indícios de que possa ter surgido no antigo Egito por volta de 7.000 a.C, onde eram realizadas por sacerdotisas para rituais de fertilidade e adoração, e também existem pesquisadores que acreditam que ela tenha surgido com um povo mais antigo, os sumérios, provenientemente de um ritual sagrado. (PENNA, 1993)
As atribuições artísticas só foram incorporadas com a invasão dos árabes ao território egípcio, quando os padrões da dança foram miscigenados, adicionando um caráter comemorativo, onde se celebra as formas de vida, a magia, o nascimento.
O verdadeiro nome dessa dança é Raks Sharki (dança do oriente), nos Estados Unidos é conhecida como Belly Dance (dança da barriga/ventre), e no Brasil é chamada de Dança do Ventre, esta é uma dança produzida por mulheres e para as mulheres, foi desenvolvida num tempo onde as deusas estavam vivas e presentes em forma de mito, num tempo onde a mulher e a serpente eram sagradas.
A Serpente
A serpente é um símbolo mítico ligado ao feminino, à fertilidade, a regeneração e a saúde. Ela também incorpora o ciclo da vida, enquanto Ouroboros, a serpente que morde a própria cauda, representa a evolução própria, a continuidade, a auto-fecundação, a proximidade entre o mundo superior e inferior, e ainda a idéia de eterno retorno. Portanto, a vida. (JUNG, 1964)
Mitos e Arquétipos
Os mitos são a conscientização de arquétipos do inconsciente coletivo, neles encontramos representações internas, transcendentes e coletivas, que servem para organizar o funcionamento psíquico e o comportamento, de acordo com o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, os mitos ilustram arquétipos, e estes não podem ser descritos, entretanto podem ser “representados”. (JUNG, 1964)
Segundo Hall (1989), os arquétipos são padrões universais, determinantes inatos da vida mental, é uma parte não individual da psique, e algo coletivo, resumindo, são tendências herdadas no inconsciente coletivo, que faz com que os indivíduos se comportem de forma semelhante aos ancestrais que passaram por situações parecidas.
Impressões Psicológicas
A dança do ventre está intimamente ligada ao arquétipo da Grande Deusa-Mãe, que esta relacionado à criação, o nascimento, a fertilidade, aquilo que é puro e sagrado.
Em cada ser humano existe, no mais profundo do seu mundo interior, a recordação da Mãe. Mãe como natureza, mãe como mulher que gerou e criou, mãe como símbolo de toda a poderosa força criadora individual e universal. São impressões psicológicas muito antigas, relacionadas com a experiência do nascimento e da morte. A imagem arquetípica de uma formidável energia que pariu tudo o que existe fica latente no plano inconsciente até que se ative pelas experiências da vida, ou seja despertada por meios invocatórios, como na dança ritualística. Qualquer mulher, quando vai ser mãe, sofre certa estimulação inconsciente desse arquétipo. Na pratica, tudo funciona para que ela se adapte da melhor maneira possível à tarefa de parir, usando o acervo humano de incontáveis experiências. O arquétipo da Grande Mãe é uma espécie de banco de dados de incontáveis experiências de concepção, gestação, parto e cuidados maternais registrados no inconsciente. Tudo é parte do amplo conjunto de memórias do processo evolutivo humano. (PENNA, 1993, p. 87 - 88)
As mulheres que praticam essa dança entram numa espécie de viagem interior, onde ganham contato com vários símbolos, emoções e sensações ainda não experimentadas, surgem assim às imagens arquetípicas. Na dança do ventre alguns desses arquétipos são: o Materno, a Odalisca, a Prostituta Sagrada e Afrodite, esses dois últimos estão associados à sensualidade, aos desejos e ao prazer.
O Materno
O arquétipo Materno surge de diversas formas, mas sempre de uma simbologia própria, para diversos psicólogos junguianos, o arquétipo da Grande Deusa-Mãe é o próprio arquétipo Materno. A imagem da Grande Deusa-Mãe surge através da história das religiões, e se estende em várias imagens arquetípicas. Nos olhares da psicologia nos relacionamos com o arquétipo Materno através da própria mãe e a avo, da madrasta e a sogra, e outras mulheres com as quais nos sentimos bem, também com a igreja, a universidade, a cidade, a floresta, a lua, útero e outros. São todos esses e muito mais os símbolos que tratam deste arquétipo. Algumas das características que esses arquétipos trazem são: a bondade, o feminino, a sabedoria, a espiritualidade, o cuidado, o instinto, a fertilidade, o oculto, o obscuro, o renascimento, o sedutor, o venenoso, o pavor e o mortal.
A Odalisca
A Odalisca é uma dançarina que se utiliza dos homens para satisfazer sua sexualidade, ela traz a sensualidade como forma de vida. É uma mulher comum que serve sexualmente no harém do rei, uma de suas técnicas de sedução é a dança do ventre. Esse arquétipo fala da relação com o próprio desejo, as mulheres em contato com ele vivem a idéia de serem vistas como deusas da beleza, da sensualidade e do prazer, o que é uma condição psicológica existencial, aonde vêm o sexo como uma forma de domínio pelo prazer, isso é uma necessidade de acabar com a própria impotência, inferioridade que tem inconscientemente.
A Prostituta Sagrada
A Prostituta Sagrada é uma mulher humana que encarna as diversas deusas do amor, paixão e da fertilidade, algumas dessas são: Inana (Sumária), Istar (Babilônia), Isis e Bastet (Egito), Astarte (Fenícia), Afrodite (Grécia) e Vênus (Roma). Ela representa a sexualidade de forma divina, é a sexualidade feminina sendo reverenciada, são responsáveis pela felicidade sexual e pelo desejo. Através dessa imagem a mulher se encontra com o próprio corpo, usando ele como arma sedutora para conseguir o que quer dos homens. Ao rejeitá-la pode-se trazer insatisfação na vida, e ao ser possuída por ela, a mulher pode achar que a única coisa que tem a oferecer é o próprio corpo.
Afrodite
A deusa Afrodite na mitologia é filha apenas do pai. Seu nascimento se da quando Zeus, corta os testículos de Cronos e seu esperma acaba caindo nas águas. Dessa união nasce Afrodite, a filha do masculino e da emoção. A deusa não conhece o feminino, logo, acha que sua beleza é tudo que tem a oferecer, esse arquétipo trás as informações do “falso” feminino, entretanto, não vivenciá-la traz conseqüências amargas, como a falta de auto-estima, auto-conhecimento, falta de sexualidade e beleza corporal.
As mulheres tomam contato com essas informações do inconsciente através de visões e sonhos que aparecem depois de algum tempo do trabalho corporal que é feito, o ideal é que as praticantes dessa arte busquem uma psicoterapia junguiana para trabalharem os símbolos e entrarem em contato com o seu verdadeiro eu.
O Corpo
Outro fator importante na dança do ventre é o trabalho bioenergético que se realizam, os movimentos trabalham os músculos superficiais e profundos, soltando-os dos ossos, deslizado e realinhando toda a musculatura, vértebras e a própria postura, isso faz com que haja uma mudança em todos os estados afetivos e psicológicos, dessa forma acaba fazendo com que as couraças se dissolvam, liberando as emoções que no decorrer de nossas vidas ficam presas ao corpo.
Boyesen (1986) diz que as couraças são tensões que são geradas ao longo da vida, servem para proteger o indivíduo de experiências dolorosas e ameaçadoras.
Para os psicoterapeutas corporais, o corpo conta a história de vida de cada indivíduo, e o trabalho corporal é necessário para que ocorra a liberação de emoções “engarrafadas” no corpo e para um melhor fluxo de energia orgônica, o que nos proporciona uma melhor qualidade de vida.
Segundo Reich (2004), médico e psicanalista o Orgone é uma energia universal, sem massa e nem inércia, que esta em tudo o que é vivo, e ele pode ser acumulado no corpo através da respiração profunda.
Na dança do ventre é fundamental o trabalho com muitos músculos e com respiração profunda, o que é base no trabalho corporal, os seus movimentos atuam diretamente nos desbloqueios das couraças e no acumulo de orgone.
Nessa abordagem levamos em conta que o corpo é um local privilegiado da subjetividade de cada um, e deve ser respeitado como tal.
A dança do ventre religa as suas praticantes ao feminino, ao sentimental, ao puro, ao sagrado, ao prazer, ao corpo e aos arquétipos, nos remetendo a tudo aquilo que é essencial a vida e que a sociedade atual não tem tempo para desfrutar, ou seja, ela possibilita uma (re)construção sobre um ser humano primordial.
Nessa jornada do auto-conhecimento entramos num processo de auto-cura onde há aumento da auto-estima, sensualidade, sexualidade, do gosto pela vida e melhor fluxo de nossas próprias idéias, afetos e emoções.
Então com olhares de duas abordagens psicológicas distintas, podemos ver que trabalham excelentemente bem juntas, um trabalho corporal e analítico, nos faz entrar em contato com a nossa verdade, com nossos símbolos, com o sagrado e com um corpo-Eu, é a aproximação perfeita de corpo, mente e alma."
REFERÊNCIA:
BOYESEN, G. Entre Psiquê e Soma, São Paulo-SP: Summus: 1986.
HALL, J. A. A Experiência Junguiana: Análise e Individuação. São Paulo-SP: Cultrix, 1989.
JUNG, C. G. (Org). O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro-RJ: Nova Fronteira, 1964.
PENNA, L. Dance e Recrie o Mundo: A força Criativa do Ventre. São Paulo-SP: Summus, 1993.
REICH, W. Análise do caráter, São Paulo: Martins Fontes, 2004.
SCÁRDUA, A. V. C. Dança e o Movimento da Vida. Khan El Khalili. Disponível em: . Acesso em: 13 março 2007.
*Felipe Salles Xavier, Integrante do projeto Papeando Com a Psicologia. Oficineiro do Projeto Escola Aberta ministrando cursos de Psicologia Junguiana e Corporal, Danças e Artes. Acadêmico do Hospital Santa Casa de Misericórdia atuando em orientação, acolhimento, plantão psicológico e psicoterapia junguiana e positiva. Desenvolve pesquisas em “Mito e o Corpo” e “Psicologia da Arte Marcial: Tae Kwon Do e Imaginário Arquetipico”. É estudante de Psicologia do Instituto de Ensino Superior e Formação Avançada de Vitória (FAVI).
Site: http://www.psiqueobjetiva.wordpress.com/
Fonte: http://jalilahs.blogspot.com/search?updated-max=2010-12-14T15%3A50%3A00-08%3A00&max-results=7
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