quinta-feira, 13 de maio de 2010

Os Obstáculos no Caminho Segundo Patanjali - (Georg Feuerstein)


O processo yogue, que contraria a tendência exterio­rizante da mente humana vulgar, nem sempre se desenvolve tranqüilamente e sem percalços. Como já afirma o Bhagavad-Gitâ (6.6), oeu pode ser o pior inimigo do Si Mesmo. Patanjali, em seu Yoga-Sûtra(1.30),menciona nada menos que nove obstáculos (antarâya) que podem surgir no decurso da disciplina yogue:

A doença, a apatia, a dúvida, a desatenção, a preguiça, a dissipação, a falsa visão, a não-realização dos estágios [do Yoga] e a instabilidade [nesses está­gios] são as distrações da consciência; são estes os obstáculos.

Todos estes podem ser compreendidos como limi­tações que o próprio ser se impõe e que retardam ou mesmo inviabilizam o processo do Yoga. Podem ser vistos também como expressões do inconsciente que maculam a grande obra yogue e assim preservam o status presente da personalidade não iluminada, do eu não redimido. Mesmo quando o desejo de libertação (mumukshutva) está presente, o aspirante ainda está sujeito às forças antitéticas da Natureza (prakriti) que regem a sua psique. Acontecimentos aparentemente acidentais, como a doença, que frustrara o progresso yogue, são devidos em última análise à frutificação das sementes kármicas (karma-âshaya) e são, portan­to, induzidos pelo próprio ser que os sofre.

É significativo que Patanjali caracterize os nove obstáculos como "distrações da consciência" (citta­vikshepa). São distúrbios ou disfunções, como deixa bem claro o termo vikshepa, derivado do prefixo vi ­("dis") e da raiz verbal kship, que significa "lançar" ou "atirar". Os vikshepas dispersam a concentração mental do yogin e interpõem-se assim no caminho do seu esforço perseverante para cultivar a unicidade ou "unipontualidade" (ekâgratâ) da mente.

Segundo o Yoga-Bhâshya (1.1),os estágios ou níveis (bhûmi) da atividade mental são os seguintes:

1. Inquieta (kshipta) ouagitada em virtude de uma grande preponderância da qualidade rajas, o princípio psicocósmico dinâmico; no Yoga-Bhâshya-Vi­varana de Shankara Bhagavatpâda, a mente nesse estado é comparada a um celeiro excessivamente cheio cujas portas arrebentam.

2. Iludida (mûdha) oufascinada em virtude de um excesso de tamas, o princípio psicocósmico da inércia, que elimina a importante faculdade do discerni­mento (viveka).

3. Distraída (vikhsipta) ouapenas intermitente­mente estável em virtude da presença periódica de sattva, oprincípio psicocósmico da lucidez.

4. Unipontual (ekâgra) ouconcentrada em virtu­de da presença cada vez mais constante de sattva e do gradual predomínio de sattva sobre rajas e tamas.

5. Restrita (niruddha) oucontrolada em virtude da preeminência de sattva; Shankara Bhagavatpâda explica este estado como caracterizado pela ausência de pensamentos.

Os primeiros três níveis são estados mentais tipi­camente experimentados pela pessoa comum. Só os dois últimos descrevem a qualidade da consciência do yogin.

O Yoga-Bhâshya (1.30)explica que as distrações só podem ocorrer enquanto um dos cinco tipos de "flu­tuações" (vritti) mentais está presente. Em outras pala­vras, a mente tem de perceber, perceber erroneamente, imaginar, lembrar ou estar dormindo. Quando essas atividades mentais estão controladas (niruddha), porém, é evidente que os obstáculos mencionados por Patanjali perdem todo o seu poder. Ou seja, o yogin pode ficar doente, mas não será perturbado por sua doença. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o famoso sábio Ramana Maharshi de Tiruvannamalai, que viveu no século XX. No final de sua vida, ele sofria de câncer. A doença deve ter-lhe causado mui­ta dor, mas ele permanecia sereno e, vez por outra, fazia brincadeiras a respeito de seu corpo castigado pela dor e da preocupação que o médico sentia por ele.

Pode-se dizer, portanto, que os obstáculos só o são na medida em que afetam as atividades da mente. No Yoga-Bhâshya-Vivarana (1.30), Shankara Bhagavat­pâda explica da seguinte maneira a palavra antarâya: "Eles se movem numa direção ou criam um intervalo, lacuna ou rompimento - daí [serem denominados] obstáculos." Um "intervalo" (antara) é um rompi­mento da continuidade natural da apercepção pelo Si Mesmo (purusha), que é uma simples testemunha (sâkshin). Em outras palavras, é um momento em que o Si Mesmo se eclipsa e a pessoa se perde na corrente dos pensamentos, sentimentos e sensações que sur­gem em sua consciência. É daí que no Tattva­Vaishâradi (1.30)Vâcaspati Mishra afirma que os obs­táculos são especificamente "obstáculos ao Yoga" (yoga-antarâya) e "distrações em relação à consciên­cia contida pelo Yoga". Em seu Yoga-Bhâshya(1.30), Vyâsa fala dos "adversários do Yoga" (yoga-pratipa­ksha), "obstáculos ao Yoga" (yoga-antarâya) e "mácu­las do Yoga" (yoga-mala). Shankara Bhagavatpâda, no Vivarana (1.30),assevera que todos eles são igual­mente nocivos (tulya-pratyanîka), poisengendram estados mentais (em vez de colaborar com a transcen­dência da mente). Segundo o Vritti de Nâgojî Bhatta, esses nove são produzidos por rajas e tamas e condu­zem a um "estado de múltiplas flutuações" (aneka­vrittitva) da consciência. A Mani-Prabhâ declara: "Distraem a mente e fazem-na decair do Yoga." Essa afirmação encontra eco na Yoga-Sudhâkara-Candrikâ, que denomina-os "obstruções" (vighna).

Como são esses nove obstáculos em seus detalhes? Para lançar [ti: sobre essa questão, vou fazer uso das afirmações encontradas nos diversos comentários escritos em sânscrito sobre o Yoga-Sûtra.



A DOENÇA (Vyâdhi)
Vyâdhi não é definido pelo autor do Yoga-Sûtra, mas a palavra tem o sentido simples de "doença", "enfermi­dade" ou "distúrbio". É derivada dos prefixos vi e â e da raiz verbal dhâ, a qual significa "desfazer-se", "dis­persar-se". Vyâsa define a palavra como "um desequi­líbrio dos `instrumentos' [isto é, os órgãos dos senti­dos], das secreções ou dos humores". Vâcaspati explica: "Os humores - vento, bile e fleuma - são [assim denominados] porque sustentam o corpo. A secreção é uma modificação especial do alimento ingerido sob a forma sólida ou líquida. Os 'instru­mentos' são os sentidos. Um desequilíbrio deles é uma condição de falta ou excesso." 0 Bhoja-Vritti dá "febre, etc." como exemplo das causas de um tal dese­quilíbrio, e o mesmo se encontra na Candrikâ e no Yo­ga-Sudhâkara. Bhâva Ganesha substitui a palavra shleshma por kapha -ambas significam "fleuma" - e explica karana (instrumento) como "pele, olhos, etc." Sua paráfrase de vaishamya (desequilíbrio) é "perda da essência" (svabhâva-pracyava), ou seja, o abando­no do equilíbrio ou da saúde naturais do corpo. Tam­bém o Yoga-Sudhâkara fala dos três doshas (isto é, os humores ou dhâtus).

Shankara Bhagavatpâda diz: "O desequilíbrio é o estado de desigualdade (vishama-bhâva)." Afirma ain­da que o mesmo desequilíbrio é devido ao "uso exces­sivo de uma ou outra substância, etc." Acrescenta que um dhâtu pode aumentar por si mesmo ou em função de fatores exteriores. Menciona sete tipos de rasa ou secreções ("essências"): plasma (também chamado rasa), sangue (lohita), gordura (medas), carne (mâmsa), osso (asthi), medula (majjâ) e sêmen (shukla). Se­gundo ele, o "desequilíbrio dos instrumentos [senso­riais]" é a cegueira, a surdez, etc. Vijnâna Bhikshu, por sua vez, afirma que quando Vyâsa diz saha iti (jun­to com [as flutuações mentais], deve-se entender não uma simultaneidade completa, mas que Vyâsa igno­rou a diminuta fração de tempo que medeia entre a apresentação de um obstáculo e seus efeitos perturbadores sobre a mente.



A APATIA (Styâna)
Styâna (da raiz verbal styâ, que significa "adensar-se") é a apatia mental. O Yoga-Bhâshya (1.30)a define co­mo a "inatividade da mente". Vâcaspati dá "incapaci­dade para a ação". Vijnâna Bhikshu explica akarma­nyatâ ou inatividade como se segue: "Inatividade é a incapacidade de executar o Yoga. [Muito embora pos­sa haver uma] inatividade do corpo [devida à] consti­pação, etc., [não há] obstrução ao Yoga no que diz res­peito à mente. Por isso [Vyâsa] disse `da mente'." Shankara Bhagavatpâda limita-se a citar o Yoga ­Bhâshya e Bhoja faz o mesmo, ao passo que Bhâva Ganesha e Nâgoji Bhatta seguem a exegese de Vâcaspati Mishra. A Mani-Prâbha diz que "a indolência é uma incapacidade para a ação mesmo quando a mente anseia [por ela]". A Candrikâ diz simplesmente que "indolência é inatividade", ao passo que o Yoga-Sudhâ­kara afirma mais especificamente que "a indolência é a inatividade da mente". Pode-se interpretar esse obs­táculo como a procrastinação, uma forma de inércia mental pela qual as ações necessárias são adiadas.



A DÚVIDA (Samshaya)
Desde as épocas mais remotas, a dúvida foi identifica­da como um dos principais obstáculos a realizam espiritual (O Brihad-Aranyaka-Upanishad (4.4.23) declara que so podemos vir a conhecer a Realidade quando estamos livres da dúvida. 0 Bhagavad-Gitâ (4.40) assevera que a dúvida aflige a pessoa a quem falta a fé (shraddhâ) Os efeitos da dúvida podem ser devastadores e, no fim, autodestrutivos. O Matsya­Purâna (110.10) observa que o indivíduo que alimen­ta dúvidas colhe o sofrimento e não os frutos do Yoga.

0 Yoga-Bhâshya (1.30) explica: "A dúvida é o conhecimento que toca ambos os extremos [de um dilema], como `isto talvez seja assim', `isto talvez não seja assim'." Vâcaspati Mishra diz: "Muito embora isto exista pela permanência na forma, a dúvida e o erro não vêem diferenças entre ambos os extremos, que assim se tocam e não se tocam." Shankara Bhagavatpâda afirma: "A dúvida é a noção que toca nos dois extremos do dilema de saber se [um determinado objeto] é um poste ou um homem." Trata-se de um exemplo clássico do Vedânta para ilustrar a vacilação que a pessoa experimenta no estado de dúvida: vemos algo de longe e não sabemos o que é. Pode ser um poste de madeira ou um ser humano. Nossa vida é repleta dessas incertezas que vêm da percepção, mas mais importantes são as incertezas cognitivas: o Si Mesmo eterno é real ou não é? Sou idêntico ao corpo ou não sou? E assim por diante.



A DESATENCÃO (Pramâda)
O caminho yogue depende por completo da atenção e é inviabilizado pela desatenção ou negligência. O Yoga-Bhâshya (1.30) explica este defeito como "o não-cultivo dos meios do êxtase", o que se pode compreender como uma falta de dedicação. Shankara Bhagavatpâda dá como glosa "falta de persistência".



A PREGUIÇA (Âlasya)
Se styâna é a apatia mental, âlasya é a preguiça devida ao peso do corpo (como o que decorre de se comer demais). Segundo o Yoga-Bhâshya (1.30), é a falta de esforço devida ao peso do corpo e da mente, peso esse que como nos informa Vâcaspati Mishra, decorre da preponderância de fleuma (no caso do corpo) e da presença e tamas (no caso da mente). Essa interpretação, porém, não nos permite distinguir adequadamente âlasya de styâna. Infelizmente, nenhum dos comentários nos esclarece quanto a este ponto.



A DISSIPACÃO (Avirati)
Virati vem da raiz verbal ram, que significa "parar" mas também "deleitar-se em". Virati significa, pois, "cessação", muitas vezes no sentido de "renúncia", mas ao mesmo tempo é estreitamente ligada ao termo rati, que tem o sentido de "prazer sexual". Avirati é, neste caso, o oposto de "cessação", e muitos tradutores optaram pelo termo "dissipação" para transmitir o significado da palavra sânscrita. James Houghton Woods, porém, traduziu-a por “mundanidade", baseando-se para tanto no Yoga-Bhâshya (1.30), que define a palavra como "a cobiça da mente sob a forma do apego às coisas". O mecanismo o apego e da cobiça foi formulado ­há muito tempo no Bhagavad-GYtâ (2.62-63):

Quando um homem contempla os objetos, nasce o apego a eles.
Do apego nasce o desejo e do desejo nasce a ira.

Da ira nasce a confusão. A confusão resulta na per­da da atenção.
A perda da atenção destrói a sabedo­ria. Com a perda da sabedoria, ele perece.

O Bhagavad-Gitâ (2.64) nos fornece também um antídoto contra esse processo: permanecer em meio aos objetos dos sentidos, mas mantendo a mente e os mesmos sentidos sob controle. Na tradição vedântica, o termo uparati (quietude) é usado com freqüência para designar o tipo de desapego que o sábio deve cultivar a fim de superar as emoções e atitudes negativas, das quais a tendência à dissipação (avirati) não é a menos importante.



A FALSA VISÃO (Bhrânti-Darshana)
Muito embora a dúvida seja um obstáculo significativo no caminho yogue e traga consigo um certo sofri­mento emocional (inquietude), ela é potencialmente um trampolim para uma visão e uma certeza mais pro­fundas. A falsa visão, por sua vez, envolve uma (pre­matura) sensação de certeza e, por isso, não partilha da agonia da dúvida; não obstante, é potencialmente mais nociva. Isso porque a falsa visão é essencialmen­te um erro (viparyaya). O Yoga-Bhâshya (1.30) explica que, se um praticante de Yoga incorresse no erro de pensar que um determinado estágio de realização yo­gue já é um grau suficiente, deixaria automaticamen­te de progredir na via espiritual. Só o entendimento claro, ou o que se chama de "discernimento" (viveka), pode nos dar uma orientação confiável no caminho de fio de navalha que leva à libertação.



A NÃO-REALIZAÇÃO DOS ESTÁGIOS (Alabdha-Bhûmikatva)
O progresso no caminho yogue varia de pessoa para pessoa e depende da capacidade psicológica do indi­víduo e, num nível mais profundo, do seu karma. Tudo aquilo que representamos no momento presente, representamo-lo em virtude das nossas volições passadas (expressas ou não no nível físico). Nosso DNA é o produto da somatória de todo o nosso pas­sado kármico, e o mesmo se pode dizer, de acordo com o Yoga, das nossas circunstâncias de vida e das experiências que temos e que se impõem a nós. Uma vez que boa parte daquilo que chamamos "mente" depende das funções cerebrais, e uma vez que o cére­bro é determinado pelo DNA, também a nossa vida mental e determinada em grande medida pelo karma. Se não fosse pela nossa natureza essencial (ou seja, o Si Mesmo ou purusha), que é transcendente e eternamente livre, seríamos simples robôs. Optando constantemente pelo Si Mesmo, pela Consciência Pura, podemos superar nossa carga kármica. A opção pelo Si Mesmo se traduz no cultivo da aten­ção e na desativação dos pensamentos, emoções e atitudes negativas.

Trata-se de um processo gradual que, segundo a filosofia yogue, pode prolongar-se por várias existências e envolver muitas ocasiões de aparente fracasso. A vida é uma escola; se não aprendermos com os nos­sos erros, teremos de fazer várias vezes as mesmas lições. A chave do sucesso no Yoga é a perseverança. Como afirma o Yoga-Sütra (1.13):

... [a prática só] se firma [depois de ter sido] cultiva­da adequadamente e ininterruptamente por muito tempo.

Os que ainda não adquiriram a energia e a determinação necessárias são incapazes de alcançar o nível seguinte do processo espiritual. Além disso, uma súbita irrupção de karma - talvez sob a forma de uma doença ou de outra adversidade - pode impedir o praticante de Yoga de seguir em frente.

O Yoga-Sutra (1.30) reconhece a incapacidade de alcançar o estágio seguinte de crescimento interior como um dos nove obstáculos. O Yoga-Bhâshya (1.30) nos diz que por "estágios" (bhûmi) entendem-se aqui os quatro estágios descritos mais adiante por Vyâsa em seu comentário (3.51): 1) prathama-kalpika (fase inicial), (2) madhu-bhûmika, que o Yoga-Bhâshya (1.30) também denomina madhu-matî (melíflua), (3) prajnâ-jyotis (luzda sabedoria) e (4) atikrânta-bhâvaniya (no processo de transcender [todas as coisas]).

O prathama-kalpika-yogin é o praticante (abhyâsin) para quem a luz interior está apenas nascendo. O madhu-bhûmika-yogin játem a sabedoria portadora da verdade (ritam-bharâ prajnâ) mencionada no Yoga-Sû­tra (1.48), que é doce e preciosa como o mel. O prajnâ-jyotir-yogin detém o pleno controle dos órgãos do corpo e dos elementos e é perfeitamente capaz de realizar o estágio restante. O atikrânta-bhâvaniya-yogin transcende todas as coisas e tem como único objetivo a resolução (pratisarga) da mente no âmago transcen­dente da Natureza (prakriti).

Para complicar um pouco as coisas, o Yoga-­Bhâshya (1.1) também aplica, como notamos acima, o termo bhûmi aos níveis de atividade mental, e por isso se torna legítimo perguntar a qual conjunto de estágios ele se refere. Como Patanjali não é específico, a não-realização de um determinado estágio ou a instabilidade em um estágio pode se referir a qualquer estágio ou tipo de estágio. Por outro lado, não se pode duvidar de que o autor do Yoga-Bhâshya (1.30) tem em mente os quatro níveis especificados acima.



A INSTABILIDADE (Anavasthitatva)
Se alcançar um determinado estágio do Yoga é difí­cil, mais difícil ainda, para a maioria dos pratican­tes, é permanecer no estágio já alcançado. Quanto mais elevado o estágio (bhûmi), tanto mais energia (compromisso, unipontualidade, etc.) é necessária para alcançá-lo e conservá-lo. O folclore do Yoga (especialmente o relatado nos Purânas) é repleto de histórias de yogins que, depois de alcançar altos graus espirituais, caíram calamitosamente por apego ou orgulho. Até a realização da libertação, não existe um estágio seguro. Anavasthitatva é a negação de avasthitatva (estabilidade), palavra formada do pre­fixo ava, da raiz verbal sthâ (estar, permanecer) e do sufixo tva ("dade"). Todo o Yoga pode ser visto como um esforço para se alcançar a estabilidade em meio às infindáveis flutuações (vritti) e transformações (parinâma) da Natureza. A estabilidade supre­ma só se encontra no Si Mesmo transcendente, do qual se diz que possui aparinâmitva ou "imobilidade" ou constância.

Patanjali não se contenta em listar os nove obstáculos; no Yoga-Sûtra (1.31), diz ainda o seguinte:

A dor, a depressão, o tremor dos membros e [os erros e] inalação e
exalação são [sintomas] associados às distrações.

Quando, pela desatenção ou pela frutificação do karma, o praticante depara com um ou mais dos nove obstáculos, eles freqüentemente têm repercussões desagradáveis. Patanjali especifica estas quatro: a dor, a depressão, o tremor dos membros e os erros de respiração.



A DOR (Duhkha)
O Yoga é feito para ajudar o praticante a superar o sofrimento (duhkha). Não obstante, quando ele é vitimado por qualquer um dos obstáculos, sua experiência de dor ou sofrimento não diminui, mas aumenta. AV palavra duhkha é composta de dur (mau) e kha (espaço/cubo da roda) e significa literalmente um "mau cubo da roda", ou seja, uma roda que não está nos eixos. O oposto de duhkha é sukha, derivado de su (bom) e kha. Uma tradução contemporânea seria "espaço bom". O sentido da palavra sukha no dicioná­rio é "alegria", "facilidade" ou "prazer". Todos os nove obstáculos tendem a gerar a dor ou o sofrimento. Na verdade, ligam-se inextricavel mente a uma mente que experimenta uma limitação e, portanto, sofre. Na doença, duhkha pode manifestar-se no nível corpóreo, mas provavelmente também no nível mental. Ou senão o praticante de Yoga pode cair vítima da dúvi­da, que traz consigo seu próprio sofrimento. A apatia tem conseqüências dolorosas, e o mesmo se pode dizer da desatenção, da preguiça e da dissipação. Tam­bém não é difícil ver como o fato de não se alcançar um determinado estágio ou de perder o grau já atingi­do podem acarretar muito sofrimento.

O Yoga-Bhâshya (1.31) diz que a dor ou sofrimento (duhkha) é de três tipos: (1) âdhyâtmika causada pelo próprio ser, (2) âdhibhautika - causada por outros seres, e (3) âdhidaivika - causada pelas divinda­des ou por forças naturais.



A DEPRESSÃO (Daurmanasva)
Quando um praticante depara com um ou mais obs­táculos, tem dificuldade para cultivar uma atitude positiva. Muitas vezes o yogin ou a yoginî ficam desencorajados e entram em colapso emocional, como aconteceu com Arjuna no campo de batalha, embora estivesse acompanhado de seu guru, o Senhor Krishna (ver a descrição no Bhagava-Gitâ). Arjuna foi tomado de compaixão (kripâ) por seus parentes e sofreu com a possibilidade de ter de vir a exterminá-los. Krishna admoestou o príncipe a que deixasse de lado seu pesar (shoka), não sucumbisse ao apego (râga) e à fraqueza de coração (hridaya-daurbalya) e não caísse no "estado de um eunuco" (klaibya). Em última análise, o desânimo (vishâda) ou o que Patanjali chama de depressão (daurmanasya) são formas de autocomiseração e resumem-se a uma incapacidade de praticar a transcendência de si mesmo.



TREMOR DOS MEMBROS (Angam-Ejayatva)
O Bhagavad-Gitâ (1.29) diz que Arjuna tremeu diante de seu dilema. Também a raiva nos faz tremer, e a mesma coisa acontece, na verdade, sempre que o nos­so sistema nervoso é excessivamente estimulado. Assim, o tremor dos membros é a manifestação externa da agitação mental (kshobha).



OS ERROS DE INALAÇÃO E EXALAÇÃO (Shvâsa-Prashvâsa)
Os comentários tradicionais compreendem o termo composto shvâsa-Prashvâsa simplesmente como a respiração involuntária que acontece toda vez que não praticamos o controle deliberado da respiração (prânayâma). Parece, porém, que Patanjali tinha outra coisa em mente: aquele tipo de respiração irregular que acompanha a agitação mental e que podemos caracte­rizar como um "erro" de respiração. A palavra "erro" não se encontra no Yoga-Sútra, mas, pelo contexto, parece implicada no composto shvâsa-prashvâsa.

Os nove obstáculos podem ser resolvidos direta­mente no nível da mente. Mesmo assim, as intervenções que partem do corpo como uma dieta correta e um programa adequado de exercícios - podem colaborar. Porém, para fazer uso desses remédios físi­cos, já temos de ter um certo grau de visão correta (samyag-darshana). As muitas práticas do Yoga constituem um todo integrado, mas sempre é preciso começar por algum lugar. Felizmente, a tradição yo­gue nos oferece muitas opções para dar o primeiro passo e, depois, cultivar diligente e perseverantemen­te nossa prática espiritual.



Fonte: Livro – Tradição do Yoga - Cultrix

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