sábado, 8 de agosto de 2009
Purificar-se, necessário. Purificar, se necessário - (Tales Nunes)
"O que é purificação? Em que consiste purificar-se? Venho refletindo sobre isso nos últimos dias. Talvez eu não fale nada de novo, mas não custa falar. Para os que não sabem, será novo, para os que já ouviram, pode ser que sirva de novo.
A partir do julgamento do que é bom ou o que é ruim para nós, temos a idéia de que purificar-nos consiste em nos livrarmos de algo ruim que está nos poluindo. Eu prefiro, porém, tentar quebrar essa dualidade, puro e impuro, sujo e limpo e pensar que purificar-se é renovar-se. Partindo desse princípio, purificação é desvencilharmo-nos, com reverência, daquilo que talvez não seja mais necessário para nós e abrirmos espaço para o novo.
O nosso corpo físico está diariamente se purificando. O ato de excreção, por si só, é uma purificação. Tirar melecas (e colar embaixo da mesa de trabalho), escovar os dentes, soltar pum (seja ele de qualquer natureza sonora ou olfativa) fazem parte do nosso ritual diário de purificação. O Hatha Yoga nos ensina algumas outras técnicas de purificação como Kapalabhati, Nauli Mas o que são esses atos senão formas de deixarmos para trás coisas das quais não precisamos mais? Digo que não precisamos mais porque é evidente que caso a gente insista em manter esses objetos em nosso organismo, eles podem causar desequilíbrios ao mesmo. Assim, um corpo limpo, é um corpo em equilíbrio.
Indo do corpo ao ambiente, penso que temos a tendência de acumular coisas que não nos servem mais, que não são mais úteis: roupas no armário, cacarecos na garagem... Talvez seja muito melhor passar adiante esses objetos estagnados e torná-los úteis a alguém. A estagnação material traz a estagnação energética e vice-versa. Assim, ao limparmos um ambiente da nossa casa, varrermos, mudarmos móveis de lugar, ajudamos a circular a energia estagnada e a renová-la. Talvez ali, naquele ambiente, tenha tanto poeira quanto energia estagnada de anos. E essa energia estagnada nos ambientes que freqüentamos tende-nos a estagnação também. O simples fato de ver as coisas sempre nos mesmos lugares, de percorrermos sempre os mesmo caminhos, trazem à nossa paisagem mental e emocional o mesmo tom, muitas vezes um monótono amarelo burro. Dar cores novas ao dia-a-dia é fundamental para se viver.
Por falar em paisagem mental e emocional, por vezes cultivamos e somos movidos, ou “assombrados”, por pensamentos de situações passadas, pensamentos padrões que são gerados por crenças profundas. Crenças que se encontram nos nossos inconscientes por causa de alguma vivência passada. Essas crenças se manifestam através de pensamentos e emoções que surgem em determinadas situações que vivemos hoje, similares ou não àquelas que as produziram no passado. Esses pensamentos, na maior parte das vezes, não são mais necessários e nos impedem de estar em contato mais próximo e de compreender a situação presente da maneira como ela se coloca para nós. Eles são leves ou densas poeiras do passado que encobrem o nosso presente. Como, então, remover a poeira?
Bom, os pensamentos que vêm à tona gerados por essas crenças profundas, trazem-nos emoções de igual valor, padronizadas e repetidas. Purificarmos pensamentos e emoções seria, portanto, não eliminá-los, pois isso é impossível. Pensamentos e emoções não são “deletáveis”. Mas purificação, aqui, seria dar-se conta dos pensamentos, emoções e os padrões que estão movendo-os, através da observação passiva e pacífica de si mesmo. E a partir daí, então, se necessário, “sugerir-se” o contrário do padrão e cultivar o oposto dos pensamentos e emoções gerados por ele. Essa atitude traz um grande alívio, uma sensação de leveza e liberdade, próprias a toda purificação.
Vamos supor que exista o seguinte padrão inconsciente: “sou responsável pela infelicidade dos outros”. Esse padrão traz à pessoa forte sentimento de culpa interior que a consome e ora faz com que ela se afaste das outras pessoas para tentar aliviar-se desse sentimento, ora a aproxima para tentar apaziguá-lo através de uma falsa ajuda ao outro. Mas, na verdade, a compaixão e não a culpa deveria nos mover a ajudar os outros. Então, para purificação da culpa, que é um sentimento EGOísta, poderiam ser feitas concentrações e meditações no seu oposto, a compaixão. Quanto ao padrão, ele continua lá, mas podemos sugerir, por meio de auto-sugestões, o seu oposto: “somos todos responsáveis por nossas alegrias e tristezas”. Essa, possivelmente, é uma das “faxinas” que ajuda no processo mais sutil de purificação dos pensamentos e emoções.
Resta-nos, talvez, um pequeno e grande impasse. Quando saber se é necessário ou não a renovação, a purificação?
A pergunta fica, mas o alerta vai: é preciso ter o cuidado para não cairmos, movidos por uma insatisfação interior - consigo próprio e às vezes projetada nos outros - no padrão da transformação e entrarmos na “paranóia” de mudança e na crença de que as coisas não estão bem do jeito que estão. Termino, então, como comecei: Purificar-se, necessário. Purificar, se necessário."
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