A neta de Mahatma Gandhi fala da sabedoria do mestre pacifista, seu caminho em busca da verdade e sua ação sobre o mundo. Com ela, temos muito o que aprender.
Foi em Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian, que Tara Gandhi Bhattacharjee, neta do pacifista Mahatma Gandhi (1869-1948), falou sobre a filosofia de seu avô para uma plateia de 1 500 pessoas. A conferência, com o título “Gandhi, a Índia e o mundo”, abriu o ciclo de Grandes Conferências, que acontecerá durante todo o ano nas instalações da Fundação, na capital portuguesa. Com ar jovial, essa senhora de 75 anos, de atitude calorosa, lembrou o legado que o pacifista deixou para a humanidade e os princípios que difundiu sobre a vida em sociedade. Ela mostrou que os ensinamentos dele são permeados por referências humanistas e visão crítica, muitas vezes com sentido político. Em encontros assim, Tara realiza a sua missão como principal representante do avô, divulgando a sabedoria do maior líder espiritual indiano.
A importância de Gandhi para a história da Índia e de seu povo é estudada e difundida por duas instituições mantidas pelo governo indiano. Tara Gandhi é vice-presidente de ambas. O centro Gandhi Smriti e Darshan Samiti (GSDS) promove estudos e pesquisas ligados aos princípios que guiaram o mestre pacifista, defensor do satyagraha, palavra que, em sânscrito, significa ‘caminho da verdade’. Esse local recebe milhões de pessoas, durante todo o ano, que chegam em peregrinação de várias partes da Índia e do mundo para rezar e adquirir conhecimentos sobre a vida do líder indiano. Ele considerava a não-violência uma lei da natureza, tal qual a lei da gravidade. Mahatma, que significa ‘a grande alma’, acreditava que as sociedades construídas com base nas leis da não-violência seriam diferentes das que temos hoje.
Tara avisa que não se pode falar de Gandhi sem se referir à sua esposa, Kasturba, com quem se casou quando tinha 14 anos. Ela foi sua companheira incondicional nas lutas políticas e sociais, e em sua busca espiritual. Quando a esposa morreu, em 1944, os dois estavam juntos na prisão. O Memorial Nacional Kasturba Gandhi foi criado para homenageá- la e hoje conta com 500 centros espalhados por áreas rurais da Índia para dar ajuda social, financeira e espiritual a crianças e mulheres pobres. Em entrevista para BONS FLUIDOS, Tara Gandhi falou sobre o processo de aquisição de consciência e a necessidade da autotransformação, em oposição ao desejo de mudar o outro.
BF Quais eram as principais convicções de Gandhi e quais foram os resultados das suas ações?
TG Sua própria vida foi uma experiência com a verdade. Mas, como a verdade é um assunto abstrato, ele transformou- a em não-violência, e elegeu essa postura como filosofia de vida. Gandhi meditava muito sobre o que era certo e errado, e, em 1893, viajou à África do Sul para combater o apartheid. Durante 21 anos, trabalhou como advogado no país e percebeu que lutava contra uma tradição de exploração entre seres humanos semelhantes. Essa experiência sedimentou seus conceitos sobre a verdade e os objetivos que o orientaram por toda a vida. Um dos resultados de suas ações foi o fim do domínio inglês sobre a Índia, o que influenciou muitos outros países e líderes. Mas o efeito de sua passagem pelo mundo vai além. Foi ele quem anunciou a importância de temas abstratos, como a não-violência e a verdade, hoje celebrados mundo afora, nas mais altas esferas da política. Foi ele, ainda, quem derrubou as barreiras das religiões e das divisões geográficas. Vivia como um líder espiritual, mas era um homem de ação, partilhando sua rotina com agricultores nos campos da Índia.
BF Gandhi alterou o curso da história da Índia pela filosofia da não-violência. Como isso foi possível?
TG Ele não apenas difundiu a filosofia da não-violência, ele viveu a não violência. Gandhi uniu a Índia e conseguiu a sua emancipação política. Mas ele não alterou o curso do país – agiu trabalhando junto às pessoas. Praticar a não-violência é parte de sua experiência com a verdade. A lágrima é um desafio. Pela primeira vez na história da humanidade esse é um desafio coletivo e individual, porque a lágrima representa emoção e, quando uma pessoa se emociona, abre o seu coração. A doutrina de Gandhi serve para todos os países do mundo, não só para a Índia.
BF Quais são os principais ensinamentos deixados por seu avô às pessoas?
TG Ele dizia: “Enquanto esperamos que os outros mudem, não nos aperfeiçoamos”. Cada um de nós deve iniciar um processo de mudança dentro de si e buscar o aprimoramento, pois temos cada qual uma verdade, diferente da verdade de Gandhi. “Não pergunte a mim, pergunte à sua consciência”, afirmava ele. Esse desafio está posto para cada um de nós, como se voltássemos ao marco zero para começar de lá a busca da verdade. Seu exemplo ajuda a responder a questões do dia a dia: como manter o ambiente limpo? Como nos relacionar com a pessoa ao lado? Como ajudar quem precisa? Nesse sentido, a prática do khadi (processo artesanal de fazer roupas) foi valorizada por Gandhi como caminho espiritual. Diante das diferenças sociais, ele dizia que há o suficiente no mundo para suprir as necessidades de todos, mas não o suficiente para a ganância.
BF Por que o khadi é tão importante para a Índia?
TG Foi durante o processo de independência, em suas viagens pela Índia, que Gandhi descobriu como o khadi é essencial para o povo indiano. Segundo o mestre, o país precisa ter o seu próprio tecido, porque a roupa para os indianos tem uma importância superada apenas pelo valor do alimento – fazer as próprias roupas se assemelha ao ato de preparar o próprio pão em casa. Existe a tradição ao redor do mundo que limita à mulher a responsabilidade de tecer, mas Gandhi convidou os homens a aprender essa arte. Assim, o khadi tornou-se um poderoso instrumento de cooperação entre as pessoas, além de inspirar a meditação e valorizar as tradições. Gandhi defendia a manutenção dos hábitos ancestrais, e nesse caso enaltecia também o papel econômico da atividade, responsável pelo sustento de milhões de indianos. Eu sempre usei roupas feitas com o método do khadi, porque era a única vestimenta permitida em nossa comunidade. Eu trabalho com o khadi todos os dias, para entender o que os outros estão fazendo por mim.
BF Pensamentos negativos estão relacionados à poluição do ambiente?
TG A mente é a parte simbólica do ser e tem alcance profundo. Eu relaciono a mente com o espaço ou com o desconhecido. Ela nos permite viajar e pensar em ritmo veloz, mas essa velocidade pode poluir a atmosfera. Pensamentos negativos, como a violência, têm início na mente e depois se materializam sob a forma de medo, ganância, genocídio, arrependimento. Os princípios do amor e da verdade também habitam nossa mente e representam bases mais fortes para se viver com criatividade, permitindo que o mundo progrida. Quando rezamos, estamos viajando para além do horizonte, pois a mente não tem limites. A partir da abstração mental surge algo concreto, como o contato entre as mentes e os corações. É isso que chamo de mente e ambiente. Quando você encontra pessoas felizes, é porque alguma coisa no ambiente é compartilhada por todos.
BF Como a sabedoria de Gandhi contribui para aumentar a consciência dos cidadãos no sentido de criarem sociedades igualitárias?
TG A sabedoria de Gandhi se apoia na simplicidade. Ele entendeu que a força da maternidade é a maior das forças e carrega o poder da criação, comum a todas as formas de vida, seja vegetal, humana ou animal. Homem e mulher têm esse poder, como extensão de seu amor. Uma gota desse amor dada a outro ser humano neutraliza a violência. A compaixão pela pessoa que está ao lado pode ser um caminho na luta por sociedades igualitárias. Mas não se trata de corrigir o outro. A vida molda os grandes desafios, tão aventurosos como os de uma criança ao aprender a andar ou falar.
Fonte: http://bonsfluidos.abril.com.br/livre/edicoes/0138/tara-gandhi.shtml
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