sexta-feira, 3 de julho de 2009

Encarando a Morte - (Gangaji)


"Você está morrendo agora, neste momento. Tudo que você pensa que é está morrendo agora, neste exato momento. Você como um corpo individual, como o mundo; você, como experiência, está morrendo neste instante. Há muitas mortes todos os dias. Há a morte de cada momento e a morte que vem todas as noites, quando você adormece. Há morte quando um relacionamento termina ou quando um filho deixa o lar. Mas a morte de que quero falar é a morte física. Em nossa cultura, esta morte é geralmente a mais evitada, a mais negada. Ela nos apavora; temos tanto medo de não ser nada.

Bhavo morreu. Ele se retirou silenciosamente, enquanto dormia, tendo ao seu lado três amigos; eu estava indo à sua casa para vê-lo. Estar com ele, durante as semanas que antecederam a sua morte, e naquela manhã, com seu corpo morto, foi um grande presente. Não foi uma teoria sobre a morte; foi a realidade de estar em um quarto com a morte. A morte se aproximando claramente, e então a morte presente, levando consigo a energia vital. Foi estar com um corpo quando não se faz nada para embelezá-lo: quando ele está mortalmente pálido. Simplesmente o fato nu e cru da morte da forma. A disposição de estar presente com a morte nua revela a absoluta e inegável beleza e presença daquilo que está eternamente vivo. Bhavo se foi, o que conhecíamos da forma de Bhavo se foi; ele foi cremado e agora é apenas cinzas; Desapareceu. Todos nós teremos lembranças de Bhavo, lembranças de sua personalidade gentil, de suas irritações, do universo completo de Bhavo.

A presença que animava a forma de Bhavo é exatamente a mesma presença que anima a sua forma e anima todas as formas. Despertar para si mesmo como essa presença é a disposição de conhecer a morte em todas as formas, inclusive esta que você chama de sua.

Ele deixou uma dádiva enorme para aqueles de nós que se dispuseram a acompanhá-lo em seu sofrimento físico até o fim. Sua morte teve um grande valor, porque ele sabia que ela estava vindo. Ele não estava negando a morte. Isto não quer dizer que ele não estivava combatendo a sua enfermidade; ele lutou, fez tudo que ele e seus médicos consideravam possível. Não se trata de não combater a doença. Trata-se de saber que você está combatendo a doença, mas a morte virá quando vier. E ter a capacidade, como ele teve, de encarar o fim. Ele ouviu: "Perdemos a luta. A luta acabou", e na manhã seguinte estava morto.

Muitas pessoas iniciam a busca espiritual procurando alcançar realização, mas a verdadeira realização espiritual é alcançada por meio da perda consciente de tudo. O que significa perder tudo? Na morte, perdemos tudo: nossas famílias, nossos entes queridos, nossa história, nosso passado, nosso futuro. Na disposição de perder tudo conscientemente, revela-se a verdade de nosso próprio ser.

Felizmente, Bhavo não teve que esperar que a enfermidade tomasse conta do seu corpo para encarar esta perda. Assim, ele pôde morrer livre, morrer em paz; perdendo algo muito precioso, mas ganhando mais do que jamais se pode perder. Nós, que estivemos com ele naquele dia, com seu corpo morto e pálido, sentimos uma incognoscível, incompreensível alegria de ser. Bhavo, com sua morte, foi um presente para nós. A verdade é que ele foi um presente para nós antes disso, porque ele havia encarado a morte muito tempo antes da morte física chegar. Tanto sua vida como sua morte foram, em última instância, relativa e absolutamente o mesmo presente.

Todos vão morrer um dia; isso é garantido pelo nascimento. Contudo, neste momento, você tem a oportunidade de encarar a morte antes de seu corpo morrer, para reconhecer seu amor e apego à forma física, e deixar este apego morrer. A identificação equivocada com a forma física precisa morrer. E, nesta morte, você desperta para a verdade de quem você realmente é. Se você estiver disposto a parar um instante e morrer para esse apego, é bem provável que lhe sobrará algum tempo para descobrir "Como é a vida depois de eu ter encarado a morte?" Então você poderá passar o resto da sua vida compartilhando a sua descoberta conosco. Há tamanha fome, tamanha sede do néctar que brota deste reconhecimento.

Para morrer assim, primeiro é preciso descobrir o mecanismo de resistência. Por exemplo, qual é o pensamento que sustenta a crença de que "Não posso encarar a morte neste momento", ou "Está bem, mas e se...?" A resistência a encarar a morte surge do medo e do pensamento de que "Não vou mais existir". Compreendo esse medo. Muito já disseram e eu repito: "Você é a existência". Não estou pedindo que você acredite no que eu digo; estou encorajando você a realmente encarar o medo da não-existência, a mergulhar na incognoscível possibilidade de não existir. Normalmente negamos esta possibilidade porém, investigar realmente e perguntar: "Quem ou o quê não vai existir?" é auto-investigação.

Pode-se dizer que você é Consciência Radiante; que você é a Luz, a Verdade, Deus ou a Beleza. Entretanto, você precisa reconhecer a si mesmo por si mesmo.

Você é o corpo? Sei que o corpo está obviamente impregnado de você, portanto não estou dizendo que você está separado do corpo.

Você está disposto a morrer agora mesmo, a morrer para quem você foi; a morrer para quem você pensa que é e quem você pensa que será?

Agora, o que permanece?"


Julho de 2002
Este artigo é baseado nas palavras ditas por Gangaji durante um encontro no Peacock Gap Country Club, em 18 de setembro de 2002.

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