terça-feira, 22 de junho de 2010

A relação entre mestre e discípulo - (Osho)


“Querido Osho,

Sinto um amor carinhoso quando estou na sua presença, mas percebo que quando não estou próximo a você, não é do mesmo jeito. É verdade que espaço e tempo não fazem qualquer diferença na grande relação entre mestre e discípulo?

Deva Suria, é sempre verdade que espaço e tempo não fazem qualquer diferença na grande relação amorosa entre discípulo e mestre. Não que em algumas vezes seja verdade e em outras, não. Essa questão é eterna. Mas, na experiência real, particularmente no começo, o amor do discípulo ainda não é tão puro; ainda existem expectativas. Não é um amor sem desejos; ele está poluído por muitas coisas.

Por causa dessa poluição de desejos e expectativas, tem-se a impressão que espaço e tempo fazem alguma diferença. Eles não fazem diferença no que se refere ao amor, mas o seu amor não é apenas amor; ele tem muitas outras coisas envolvidas. Mesmo a expectativa da iluminação é suficiente para destruir a sua pureza.

O princípio se aplica ao amor puro, ao amor que é simplesmente feliz sem que haja qualquer motivo, ao amor que já juntou a dança do mestre ao coração. Então, o mestre não está mais fora, você o carrega dentro de si, onde quer que esteja. É por isto que espaço e tempo não fazem qualquer diferença. Mas se o mestre ainda estiver do lado de fora, como um objeto de amor, então o espaço fará diferença, o tempo fará diferença. A diferença vem através das impurezas e elas são quase inevitáveis no começo, porque você não consegue pensar que o desejo pela iluminação seja uma impureza.

De fato, para você, a grande relação amorosa entre o mestre e o discípulo está acontecendo somente por causa de seu anseio pela iluminação. Naturalmente, quando você está próximo, você sente mais confiança. Quanto mais próximo estiver, mais você sentirá a presença do mestre. Quanto mais longe você for, mais a sua confiança começará a estremecer porque o mestre ainda é apenas um meio para se chegar a um certo fim.

Quando Gautama Buda morreu, havia dez mil discípulos que sempre o seguiam em suas longas jornadas. Naquela grande multidão de discípulos, havia pessoas como Sariputta, Maudgalyan, Mahakashyapa, Manjushri, Vimal Kirti e muitos outros que já tinham se tornado iluminados, que já haviam cruzado a barreira entre o mestre e o discípulo, que já haviam entrado no mundo da devoção.

Quando Gautama Buda morreu foi um grande choque para todo mundo, mesmo para o seu discípulo mais próximo, Ananda, que desatou a chorar. Ele era mais velho que Gautama Buda. Buda tinha oitenta e dois anos e Ananda, cerca de oitenta e cinco ou mais. Ele desatou a chorar como uma criança que perdeu a mãe. Mas Manjushri, Vimal Kirti e Sariputta permaneceram completamente silenciosos, como se nada estivesse acontecendo, ou se o que estivesse acontecendo não lhes dissesse respeito.

Muitos discípulos ficaram chocados com a frieza de Sariputta e dos outros; eles não conseguiam entender. Eles podiam entender o Ananda desatando a chorar. Na verdade, eles pensavam que Ananda era o mais íntimo. Enquanto Sariputta, Maudgalyan e Mahakashyapa permaneciam sentados em silêncio.As pessoas lhes perguntavam, ‘Por que vocês estão em silêncio, enquando Ananda está chorando?’

Sariputta respondeu, ‘Porque para mim, meu mestre nunca pode morrer. A morte não consegue nos separar. Ele apenas deixou o seu corpo, mas ele continua aqui; meu coração ainda está sentindo a sua presença, na verdade, sentindo mais do que nunca.’

E as respostas dos outros discípulos iluminados foram as mesmas, sem uma simples lágrima em seus olhos. Eles não eram duros nem frios. Eles simplesmente já tinham cruzado a barreira entre mestre e discípulo. Ou você pode dizer que eles entraram na consciência do mestre, ou eles permitiram que a consciência do mestre entrasse neles, o que quer dizer a mesma coisa: os dois desapareceram e agora existe apenas um.

O entendimento das pessoas estava absolutamente errado que Ananda devia ter amado mais o mestre, porque ele havia desatado a chorar. Perguntado, ele disse, ‘Eu estou chorando porque enquanto ele estava vivo, por quarenta e dois anos eu fui o seu discípulo mais íntimo, intimidade no sentido de que eu estava sempre com ele. Nestes quarenta e dois anos, nem por um simples dia eu me separei dele, mesmo à noite eu costumava dormir em seu quarto, só para estar presente, no caso dele precisar de algo. Eu não estou chorando porque eu era o mais íntimo; eu choro porque mesmo com essa prolongada intimidade, eu permaneci separado dele. Alguma coisa permanecia como uma barreira.’

Gautama Buda não estava morto ainda. Ele apenas tinha fechado os olhos e estava relaxando no eterno.Ele voltou, abriu os olhos e disse ao Ananda, ‘Não se preocupe. Era a minha presença e o seu amor para comigo que era a barreira, porque o seu amor tinha uma motivação. Você queria tornar-se iluminado antes de todos, e você sempre tinha uma inveja escondida quando os outros alcançavam o seu potencial, chegando à própria fonte. No fundo você se sentia machucado, porque você estava muito próximo, mas eram os outros que estavam se tornando iluminados antes de você. Você não conseguia alegrar-se com a iluminação deles. Você poderia ter se alegrado, poderia ter celebrado, mas o foco de sua mente era a sua própria iluminação, era muito você. E a sua inconsciência continuou desde o primeiro dia, preso à idéia de que você é meu primo-irmão, meu irmão mais velho. Ainda que desde o primeiro dia você não tenha mais mencionado isso, a memória piscológica estava ali. Conscientemente, deliberadamente você tornou-se um discípulo, mas inconscientemente você sempre sabia que era o meu irmão mais velho; você não conseguiu dissolver-se em mim. Mas não chore, vinte e quatro horas após o momento em que eu morrer, você se tornará iluminado. Sem a minha morte, você não consegue tornar-se iluminado.’

Ananda ainda não conseguia consolar-se. Ele disse, ‘Depois de vinte quatro horas você não estará aqui. Para quem eu irei perguntar se eu me tornei iluminado ou não? E, na eternidade do tempo, eu não sei quando eu encontrarei um homem como você, com uma consciência tão grande e vasta.’
Buda lhe disse, ‘Não se preocupe, isso vai acontecer. Eu estava observando continuamente. Eu mesmo estava intrigado porque não estava acontecendo com você. Você queria tanto.’

E esse é o problema: deseje demais a iluminação e você a perderá, retenha em algum lugar do seu inconsciente o desejo de alcançá-la e você não alcançará.

Relaxando, esquecendo tudo sobre iluminação, esquecendo tudo sobre o futuro, vivendo no presente, o seu amor atingirá uma pureza clara e cristalina, não poluída por qualquer desejo, nem mesmo o desejo maior pela iluminação.
Então você não sentirá a distinção entre o mestre e você mesmo, e carregará o mestre dentro do seu coração. Então, onde quer que você esteja, o mestre estará com você. A dualidade será deixada de lado; as duas chamas se tornarão uma. Não é a sua chama e não é a chama do mestre. Quando aquelas duas chamas se tornam uma, elas se tornam universal. Na separação, você é um discípulo e existe um mestre. Tornando-se um, o discípulo desaparece e o mestre desaparece; o que permanece é apenas a pura consciência.

A transformação do amor em pura consciência é a alquimia a ser aprendida quando se está próximo de um mestre. Estando próximo de um mestre, você pode desfrutar de seu carinho, da sua presença, das suas palavras, da batida de seu coração. Mas quando você se afasta, você não é capaz de ouvir a mesma batida do coração, você volta de novo à estaca zero. Você ouvirá a batida do coração, mas será do seu próprio coração. Próximo ao mestre você está sob a sua influência.

O segredo do aprendizado é a purificação de seu amor.
Abandone todas as ambições.
Nada há para ser alcançado.

Tudo que você deseja já está presente em você. O mestre não vai lhe dar algo que você ainda não tenha. Na verdade, o mestre continua tirando coisas que você pensa que tem, mas que não tem. E o mestre não pode, naturalmente, dar-lhe aquilo que você já tem. Ele só consegue retirar todas as barreiras, todos os estorvos, todos os obstáculos, de modo que só permaneça aquilo que lhe é próprio. Em tal espaço não poluído, a distinção entre o mestre e o discípulo deixa de existir. Isto não significa que você não se sinta agradecido ao mestre. Na verdade, somente depois que isto tenha acontecido, você sentirá pela primeira vez, uma tremenda gratidão.

Sariputta estava muito relutante em partir para espalhar a mensagem. Buda pediu-lhe para ir ao seu próprio reino. Ele era um príncipe, antes de se tornar um discípulo. Buda disse, ‘Agora é sua responsabilidade e sua compaixão ir até o seu povo: ao seu pai, sua mãe, a todo seu reino. Deixe que eles fiquem cientes do que você alcançou. Compartilhe, eles também têm o potencial.’

Ele estava muito relutante para partir. Buda disse, ‘Qual é a relutância? Agora eu estou dentro de você. Eu estou enviando-o para longe, sabendo perfeitamente bem que você não sentirá qualquer distância.’

Sariputta disse, ‘A distância não é o problema. Eu posso ir até a estrela mais distante e você ainda estará dentro do meu coração. O problema é que, estando aqui, eu toco os seus pés todos os dias. Você poderá estar em meu coração, mas como eu vou tocar os seus pés?’

Gautama Buda disse, ‘Você é um ser iluminado. Você não tem que tocar os meus pés.’

Sariputta disse, ‘Antes da iluminação, isto era um ritual. Eu tocava os seus pés apenas porque todo discípulo estava tocando. Mas agora não é mais um ritual. Agora é autêntica gratidão, porque sem você, eu não teria alcançado a mim mesmo. Embora isto estivesse sempre dentro de mim, eu não acho que sozinho seria capaz dessa descoberta, pelo menos, não nesta vida. A sua compaixão, o seu amor, as bênçãos que continuamente você derramou sobre mim, pouco a pouco, removeram tudo aquilo que não era eu mesmo. Agora, quando eu toco os seus pés, não é um ritual, é um alimento do coração. Eu me sinto nutrido. No dia em que eu deixo de tocar-lhe os pés, sinto um vazio. E sei que você está dentro de mim.’

Buda disse, ‘Todos vocês que se tornaram iluminados terão que aprender a estar longe de mim, e ao mesmo tempo não estarem longe de mim. É verdade que vocês não conseguirão tocar os meus pés, mas, de onde vocês estiverem, simplesmente se voltem para o lado onde vocês acham que eu estou e curvem-se até a terra. O meu corpo pertence à terra. Se vocês tocarem a terra com a mesma gratidão, estarão tocando a mim.’

Sariputta partiu. E as pessoas de seu reino não conseguiam acreditar; ele havia alcançado uma grande glória, uma grande magnificência, uma grande beleza. Tudo isto era milagroso, mas a curiosidade deles era porque todos os dias, pela manhã e ao anoitecer ele se voltava para a direção onde, longe, Buda estava morando, e tocava a terra com tremenda gratidão.

Eles diziam, ‘Você é um ser iluminado, não tem que tocar a terra.’

Ele dizia, 'Eu não estou tocando a terra. Aprendi um novo segredo, que o corpo nada mais é do que terra, e que ela contém não apenas os pés do meu Buda, meu mestre, mas todos os budas do passado, do presente e do futuro. Tocando-a, eu toco todos aqueles que tornaram-se despertos e fizeram com que o caminho ficasse claro para mim, mostraram-me o caminho.’

Mesmo depois que Buda morreu, ele continuou curvando-se, voltado para a mesma direção onde estava o corpo de Buda em seus últimos momentos. Ele nunca sentiu qualquer separação. E isto não foi apenas com ele, mas com todos os vinte e quatro discípulos que haviam se iluminado.

Ananda iluminou-se, conforme Buda predisse, vinte quatro horas após ele deixar o corpo. Na verdade, ele nem se moveu do lugar. Quando Buda morreu, ele fechou os olhos e permaneceu sem comer, sem beber, sem dormir. Aquelas vinte e quatro horas foram o tempo mais importante de sua vida, um tempo de transformação de um ser ignorante em uma alma desperta. Ele somente abriu os olhos quando as lágrimas haviam desaparecido e um sorriso havia brotado em seu rosto.

Manjushri estava próximo e disse, ‘O que aconteceu? Você esteve chorando, esteve sentado como se estivesse morto, e, de repente, você está rindo’.

Ananda disse, ‘Eu estou rindo porque a sua predição provou estar certa. O obstáculo era a impureza de meu amor. E agora que ele se foi, não há mais razão para sentir-me como seu irmão mais velho, para sentir qualquer apego. Em sua pira funerária, na medida em que o seu corpo desaparecia na fumaça, todos os meus apegos também desapareciam.’

Não será necessário, Suria, que eu tenha que estar numa pira funerária para você se tornar iluminada. Pode ser assim, se você precisar. Um dia eu estarei lá, mas será muito mais bonito se no dia em que eu estiver numa pira funerária, você estiver sem lágrimas. Quando eu desaparecer do corpo, você saberá que eu tornei-me mais profundamente envolvido dentro de você e dentro de toda a existência.”

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