"Conta-se que uma vez, o grande mestre Shankaracharya e seus discípulos estavam viajando pela região de Mukambi, no estado de Karnataka, quando chegaram num Shribali agrahara, uma cidade de brâmanes. Lá, encontraram um sacerdote chamado Prabhakara.
Ele era uma pessoa muito bem preparada, versada nos Shastras, com uma bela família e tudo para ser feliz. No entanto, tinha uma preocupação que o deixava infeliz: seu filho, embora com treze anos de idade, não falava, não brincava com as outras crianças nem se comunicava, embora aparentasse ser muito brilhante e saudável. Não ia à escola, comia muito irregularmente e ficava inerte, sem ação, por longos períodos.
Prabhakara levou a criança à presença do mestre, buscando ajuda e conselho. Shankaracharya, dirigindo-se à criança, perguntou-lhe: ”Ó criança! Quem é você? De quem você é filho? Qual é seu nome? De onde você vem? Para onde você vai? Você parece ser atraente, brilhante, e amoroso. Por favor, responda-me, para o meu prazer”.
Pode parecer absurdo falar para alguém que não responde mas, por algum motivo, a crianca fala com Shankara. A resposta dada pelo garoto é este texto em quatorze estrofes conhecido como Hastamalakiyam stotram. Basicamente, ele responde não ser um autista (jada), nem um objeto inerte, mas plena consciência.
Ele sabe que todas as ações, todos os elementos da criação, tanto no micro quanto no macrocosmos, derivam da consciência, e são pura consciência. Provavelmente, Shankara não esperava que o garoto respondesse. Muito menos, que desse esse tipo de resposta.
Quem ensinou para ela? A Bhagavad Gita (VI:40), Sri Krishna ensina que qualquer esforço em direção ao autoconhecimento feito em nascimentos prévios, não se perde. Ou seja, que os esforços feitos em vidas anteriores são retomados no mesmo ponto em que foram deixados na existência anterior. Isso explica por que o garoto é tão dotado, e fala de maneira tão clara sobre o autoconhecimento.
O contato com Shankaracharya é uma bênção para o menino. Ele lembra de tudo o que sabia e realizou nas encarnações anteriores. Então, o mestre, dirigindo-se ao pai da criança, Prabhakara, diz que ela não é de nenhuma utilidade na casa, e que gostaria de adotá-lo para que ele pudesse continuar no processo de autoconhecimento. O pai aquiesce, com relutância. O garoto viveu e aprendeu com Shankara e passou posteriormente a ser conhecido como Hastamalakacharya, tornando-se um dos quatro mais importantes discípulos dele.
A palavra hastamala significa “o amala na mão”. Amala ou amla é uma fruta ácida, rica em vitamina C, largamente usada na Índia, tanto na culinária quanto em preparados ayurvédicos, como em forma de óleo cosmético para a pele ou o cabelo. “O amala na mão” é uma parábola que explica o brilhantismo da sabedoria do garoto, que explica as coisas de forma tão simples e direta, que o autoconhecimento fica tão acessível quanto uma fruta na palma da mão.
Todos os grandes temas do Vedanta e do Jñana Yoga estão aqui: dharma, autoconhecimento, meios para se livrar do sofrimento, propósitos humanos, etc.
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Eu sou atma, o Ser, cuja natureza é a consciência ilimitada, e que é a causa do funcionamento da mente, do olhar e dos demais sentidos, assim como o Sol é a causa das ações de todos os seres na Terra. Contudo, quando não associado com os fatores limitadores [na forma do corpo, a mente e os sentidos], Eu, o Ser, sou como o espaço [que tudo abrange]. 1.
Eu sou o Ser, cuja natureza é a consciência ilimitada, que é eterno e uno [não-dual], cuja verdadeira natureza é a eterna consciência, assim como o calor é a real natureza do fogo. É graças a essa consciência que a mente, o olhar e os demais sentidos (que são, per se, inconscientes), funcionam. 2.
O reflexo de um rosto num espelho não tem existência separada da face refletida. Similarmente, o jiva, que é reflexo do Ser na inteligência, não tem, de fato, existência separada dele. Eu sou esse Ser, que é da natureza da eterna consciência. 3.
Assim como quando o espelho é removido, o reflexo cessa de existir mas o rosto permanece, similarmente, o Ser existe sem seu reflexos, na ausência da inteligência. Eu sou esse Ser, cuja natureza é consciência ilimitada. 4.
Sendo o Ser livre da mente e dos órgãos sensoriais, ele é o pensar da mente e o olhar do olho. Sua própria natureza não pode ser alcançada pela mente nem pelos órgãos de percepção. Eu sou esse Ser, cuja natureza é consciência ilimitada. 5.
Aquele que é Uno, auto-efulgente, brilha através da pessoa de mente pura. Mesmo brilhando com luz própria, o Ser aparenta ser muitos e variados nos indivíduos, assim como o Sol, que é um só, aparenta ser muitos nos diversos reflexos em diferentes corpos de água. Eu sou esse Ser, cuja natureza é consciência ilimitada. 6.
Assim como o Sol dá a luz para os olhos, sem precisar revelar os objetos para cada olhar sucessivamente [mas a todos ao mesmo tempo], da mesma forma, a consciência única não ilumina as muitas mentes uma a uma, [mas a todas simultaneamente]. Eu sou esse Ser, cuja natureza é consciência ilimitada. 7.
Assim como o olho vê claramente apenas aqueles objetos que são iluminados pelo Sol, mas não aqueles que a luz não alcança, o próprio Sol torna o olho capaz de enxergar os objetos, apenas por que ele é, por sua vez, iluminado pela luz do Ser. Eu sou esse Ser, cuja Natureza é consciência ilimitada. 8.
O único Sol parece ser muitos ao se refletir em diferentes corpos de água. Ele permanece imóvel, mesmo quando as águas se movem. Similarmente o Ser, embora refletido em distintas mentes sempre mutantes, permanece sempre o mesmo, intocado por essas mudanças. Eu sou esse Ser, cuja natureza é consciência ilimitada. 9.
Assim como o tolo imagina que o Sol perde o brilho quando é escurecido pelas nuvens, da mesma forma, aquele que é enganado pela ignorância acredita que o Ser é condicionado. Eu sou esse Ser, cuja natureza é consciência ilimitada. 10.
O Ser que permeia o universo, mas a quem nada pode atingir, que é sempre puro como o espaço, que é livre das impurezas do apego e a aversão, que é imortal, esse Ser, cuja natureza é consciência ilimitada, sou eu. 11.
Assim como, em presença dos objetos, o claro cristal aparenta ser algo diferente do cristal, da mesma forma, você, ó Vishnu, aparenta ser distinto em presença das diferentes mentes. Assim como a lua parece mover-se nos reflexos na água, similarmente, você aparenta movimentar-se aqui [na criação]. 12."
Tradução e apresentação por Pedro Kupfer, baseadas nos ensinamentos de Swami Dayananda.
quarta-feira, 17 de junho de 2009
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