sexta-feira, 1 de abril de 2011

Gentileza gera anugraha - (Pedro Kupfer)

"O Profeta Gentileza estava em plena atividade quando eu morava em Saquarema, no final dos anos 1980 e início da década de 1990. Nascido José Datrino, este paulista de Cafelândia teve uma epifania que o levou a ajudar vítimas de um incêndio na cidade de Niterói e, depois disso, dedicou o resto da sua vida a confortar os demais com palavras e ações amorosas. Um verdadeiro exemplo de dharma em movimento.


Diz a Wikipédia sobre esta grande alma: "Desde sua infância José Datrino era possuidor de um comportamento atípico. Por volta dos treze anos de idade, passou a ter premonições sobre sua missão na terra, na qual acreditava que um dia, depois de constituir família, filhos e bens, deixaria tudo em prol de sua missão. Este comportamento causou preocupação em seus pais, que chegaram a suspeitar que o filho sofria de algum tipo de loucura, chegando a buscar ajuda em curandeiros espirituais."

Se o Profeta Gentileza tivesse nascido na Índia, certamente seria considerado um sábio e santo, e jamais seus pais teriam pensado que ele era louco. Quando eu chegava de ônibus na rodoviária do Rio de Janeiro, via os esplendorosos murais que ele pintava ao longo do Viaduto do Cajú e me perguntava o que isso significaria, e quem teria deixado essas mensagens.

O adágio que mais se repetia naquelas inscrições, recentemente restauradas, era "Gentileza gera Gentileza. Amor". Vim saber dele muito tempo depos, quando já havia falecido. Porém, o legado dele, a importância de tratar os demais com consideração e respeito, continua.

Quando pensamos em emoções, atitudes ou virtudes, e a maneira em que elas são vividas e sentidas nas diversas culturas, reparamos que elas podem ter distintas nuanças, como as das cores usadas por diferentes pintores. De cada paleta surgem diferentes universos de cor, que são similares entre si e, no entanto, absolutamente únicos. Assim, não há uma tradução direta e exata com uma única palavra para designar esse tipo de emoção ou atitude, de cultura para cultura.

Há duas palavras para dizer gentileza em sânscrito, todas ligadas à vida de Yoga: prasada e anugraha. Prasada é o termo mais freqüente usado na língua sânscrita para denotar graça ou gentileza. Essa palavra deriva da raiz sad, que significa “estabelecer-se” ou “sentar”.

Prasada tem dois sentidos: por um lado, designa qualidades como gentileza, serenidade e bom-humor enquanto que, por outro, ainda significa calma, pureza e clareza. Se este termo está ligado sempre as manifestações mais harmoniosas da divindade, é por que a gentileza, a graça e as demais qualidades são de fato divinas.

A segunda maneira de dizer gentileza é anugraha. O Bhagavata Purana usa repetidas vezes o termo anugraha como expressão da compaixão de Ishvara por todas as criaturas. Adi Shankaracharya, ao longo de toda sua obra, igualmente menciona anugraha como a graça que possibilita a libertação, a saída do samsara, o ciclo de nascimentos e mortes.

O oposto de anugraha é nigraha, que pode ser compreendido como obstrução para a liberdade, ou ficar preso aos condicionamentos. Seja qual for a palavra que usarmos em sânscrito para dizer gentileza, essa gentileza tem duas dimensões: a divina em relação ao humano, e a da convivência entre os humanos.

A gentileza, seja como prasada, seja como anugraha, sempre aparece nos textos de Yoga ligada ao estado de graça produzido pela contemplação, o êxtase ou o arrebato devocional. Gentileza é aquilo que naturalmente surge quando a pessoa amadurece emocionalmente ou se aproxima desse estado de consciência que é moksha, a liberdade. Como todas as demais virtudes, a gentileza é um efeito colateral da maturidade emocional.

Nesse sentido, creio que a nossa sociedade poderia ser mais feliz se descobrisse o valor da gentileza. Para isso, como ensinou o Profeta Gentileza, todos nós devemos fazer a nossa parte no sentido de tornar o mundo um lugar mais agradável.

Assim, podemos pensar em nos colocar na pele dos demais e trabalhar pequenas atitudes, como ceder a passagem no trânsito, não querer sempre chegar em primeiro lugar, ajudar desinteressadamente os necessitados, deixar os outros vencerem de vez em quando, e não sermos tão duros com nós mesmos. Namaste!"

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